LUTAR, com todas as forças, por todo tempo. Por 1, 2, 3 gerações. Enfrentar o mais forte, o
mais rico, o mais poderoso. Ter um propósito, saber o que o caminho justo e correto esbarra
com grupos, pessoas e poderes dispostos a não deixar que sigamos, pelo simples fato de
“estarmos ali”, de existirmos, de oferecer uma opção, diametralmente contrária e melhor.
Colaboramos com um pouco de nossa história no livro OS DONOS DO MERCADO, (editora
Efefante / O Joio e o Trigo – out 2020) obra de Victor Matioli e João Peres, narrando nossa
luta em um mercado dominado por gigantes, poderosos e nada éticos concorrentes.
Sendo um pequeno núcleo de agricultores familiares , nosso desafio em produzir e distribuir
alimentos orgânicos com qualidade e valor HONESTO ao produtor e ao comsumidor,
esbarram com o interesse de “gourmetizar” os orgânicos, achatar os preços pagos ao
produtor, nos fazer reféns de uma estrutura secular de exploração, subserviência e
dependência predatória.
Abaixo, alguns trechos : (Copyright autorizado – autoria citada)
Pág 43, 1º parágrafo. – Sobre a dificuldade em abrir um novo espaço para escoar a
produção:
Abrindo o Capítulo 6 – Págs 127,128,129, 130 até o penúltimo parágrafo: História e lutas
diárias:
Pág 175, 3º parágrafo. – Sobre o aspecto e a (des) padronização dos alimentos orgânicos:
Pág 301, 1º parágrafo. – A solução justa para a comercialização!
E aqui, a entrevista escrita, na íntegra:
•Conta um pouco mais sobre a história da sua família com a agricultura.
R. Meu avô Hildebrando, pai de 10 filhos, cafuso, sem “linhagem” , começa na agricultura de
subsistência “desde sempre”.
Carrega todos os filhos homens , meu pai incluso, trabalhando desde criança, a partir do
momento em que conseguisse carregar um feixe de lenha nas costas…
isso por volta dos 6 anos de idade…meu pai cursou até a 3º série primária somente..
Chegaram a ter 8 pontos de feira em Caxias e petrópolis/RJ, distribuidos entre o patriarca e
irmãos.
•Onde era a plantação de tomates do seu avô?
R.Nas plantações de tomates meu avô , pai e tios eram meeiros, ou ficavam com a metade da
produção e o dono da terra outra metade
ou ficavam com a metade do que era “dito” que era vendido- normalmente eram enganados
nessa modalidade -, pois os donos da terra vendiam a produção toda
e dizem ter vendido parte, pagando a eles 1/4 ou 1/3 , nunca a metade acordada.
Meu avó não tinha nem 2 mil metros de terras próprias, era agricultor de subsistência, uns 2
ou 3 porquinhos, umas poucas galinhas…,plantavam milho, feijão,
mandioca . Meu pai e tios passaram fome em alguns periodos de ataques e/ou perdas totais
de safra , o que acontecia com frequência.
Meu avô comprava 3 bisnagas de pão para os 10 irmãos uma vez por semana, os ratos roíam
o miolo do pão… meu pai retirava a parte onde os ratos roeram e
comia a casca seca, engolido com café aguado.
Meu pai NUNCA MAIS se esqueceu dessa passagem e sempre nos lembrava quando
ousávamos deixar comida no prato… Pai tem aquela altura de desnutrição, 1.57m
Eu pude ter o que comer, tenho 1.72m … prova que ele realmente passou por grandes
necessidades e privações.
•Como foi a experiência do seu pai como feirante?
R. No inicio, muito novo, dos 6/7 aos 10 anos, era obrigado a acompanhar meu avô na lida e
ajudar na feira, senão apanhava de cinta, de vara de marmelo,
de pau de goiabeira..
Eram tratamos sob forte opressão e castigos físicos severos ( porque o pai do meu avô o
tratara assim… ) depois parou de apanhar e seguiu na atividade até os 27 anos.
Fui a primeira geração que não apanhou…
•Você chegou a vivenciar esse momento?
R. Do meu pai em campo não lembro,quando eu tinha 3 anos, em 1980 e já casado com a
minha mãe, meu pai ( já com 27 anos) larga o campo e as atividades de feira e assume na
cidade um bar, conjugado com uma mercearia.
•E por que seu pai desistiu da agricultura?
R. Por tudo que sofreu, renegou, perdeu, pela infância miserável, pelos maus-tratos que
passou, pela fome que o assolou.
Ele simplesmente não queria OUSAR EM PENSAR me ver passando por todo sofrimento que
ele passou, me fez “estudar para ser alguém na vida” – palavras dele.
Como se ele não fosse nada – um qualquer sem importância… assim diziam de quem não
tinha não tinha estudo e fazia trabalho braçal…
•Seu pai tentou te tirar do campo, certo?
R. Todo o tempo, com todas as forças, enquanto pôde…
•Você chegou a fazer outra coisa da vida antes de voltar para os orgânicos?
R. Estudei ciencias sociais na universidade federal de Juiz de fora, sou formado em redes
especias de telecomunicações Pela Estácio de Sá,
Tenho cursos e especializações na área de redes WAN, LAN e network. Tenho certificações e
provas de empresas como Cisco, Avaya, Microsoft..
Trabalhei com pesquisa de mercado, redes corporativas acima de 200 pontos de rede
( implantação e gestão) e operei ativamente no mercado financeiro de ações como
homebroker de 2009 a 2016
e de lá, consegui comprar novamente um bom pedaço de terra…
•Por que você voltou?
R. DNA. Genes, orgulho, vingança, vontade de vencer, honra … um pouco do Conde de
Montecristo… uma forma de levantar a cabeça do meu pai, do meu avô
e dizer: “-Podem olhar diretamente nos olhos dessa gente,estou aqui para defendê-los,não
tenham medo…”
•Você acha que os supermercados carregam a culpa pelo surgimento dos
atravessadores?
R. São 2 estágios e estão intimamente ligados:
O atravessador em si – a figura que tem um carro de transporte, vai na roça, compra muito
barato ou dá calote nos agricultores sem estudos ( que são a maioria) e os revende na cidade.
e
O supermercado e seus compradores – onde muitos pedem 10% por fora para comprar seus
produtos e o próprio supermercado em si, que dita “quanto quer pagar” pelo seu produto e
quando vai pagar.
•E o que significa a figura do atravessador pra um pequeno produtor?
R. Sob minha ótica, sendo pequeno produtor orgânico e por toda história familiar que
acompanhei , o atravessador é um parasita, um verme, um bicho de pé, que precisa ser
extirpado da cadeia
produtiva tão logo os agricultores realmente possam ter acesso a meios de transporte e
escoamento de safra direto aos consumidores finais e consigam romper a barreira do
analfabetismo e tenham
acesso a recursos que consigam chegar na mão de famílias realmente necessitadas – o que
NÃO ACONTECE HOJE e nem nos útimos 80 anos…para falar a verdade, nunca, efetivamente.
Por isso luto, por isso brigo, por isso acordo todas a manhãs, para quebrar a cadeia de
exploração e subserviência das pequenas familias de agricultores iletrados,
como a minha.
É a minha forma de dizer: “- Obrigado Vô “Debrânde” , obrigado pai, por me forjarem em aço.
Só paro quando der meu último suspiro… até lá, sigo peitando o perverso sistema de
explorador e explorado…
Meu Avô Hildebrando, Feira em 1970:
Avô na Feira, início anos 80:
Meu pai Renato, área rural de familiares entre 1974/75:
Eu, (Leonardo ) e esposa Lilia , colheita de Mandioca, 2017: